Fisiologia do Sistema Renal em Mamíferos Domésticos

 

FISIOLOGIA DO SISTEMA RENAL EM MAMÍFEROS DOMÉSTICOS

1. Introdução

O sistema renal dos mamíferos domésticos desempenha funções essenciais para a homeostasia, incluindo a filtração do sangue, regulação da pressão arterial, balanço hidroeletrolítico e controle da excreção de metabólitos. Este texto abordará os aspectos anatômicos e histológicos do sistema renal em diferentes espécies de mamíferos domésticos (cães, gatos, suínos, bovinos e equinos), a bioquímica dos hormônios renais, a produção de urina e a interação entre os rins e o sistema nervoso central para o controle da sede e da pressão arterial.

2. Anatomia e Histologia do Sistema Renal

2.1 Diferenças anatômicas entre espécies

Embora o sistema renal apresente organização geral semelhante em todos os mamíferos domésticos, existem diferenças anatômicas significativas entre espécies:

  • Cães e gatos: Rins em formato de feijão, lisos e de cor avermelhada. A medula renal é organizada em pirâmides renais fusionadas, formando uma estrutura unipapilada.
  • Suínos: Rins também possuem formato de feijão, mas são multipapilados, com pápulas renais distintas e cálices que desembocam diretamente na pelve renal.
  • Bovinos: Rins lobulados, característicos de um sistema multipiramidal, sem uma pelve renal definida.
  • Equinos: O rim direito apresenta forma de coração, enquanto o esquerdo é oval. Possuem uma pelve renal desenvolvida e glândulas secretoras de muco.

2.2 Histologia Renal

A histologia do rim é composta pelas seguintes regiões:

  • Córtex renal: Contém os glomérulos e a porção inicial dos túbulos renais.
  • Medula renal: Contém as alças de Henle e ductos coletores.
  • Pelve renal: Estrutura coletora que conduz a urina até os ureteres.

O néfron, unidade funcional do rim, é responsável pela filtração do sangue e excreção de metabólitos.

3. Produção dos Hormônios Renais

Os rins produzem hormônios essenciais para a homeostasia corporal:

4. Produção da Urina

A urina é formada através de três processos principais:

  1. Filtração glomerular: O sangue é filtrado nos glomérulos, permitindo a passagem de solutos e pequenas moléculas.
  2. Reabsorção tubular: Substâncias úteis como glicose e aminoácidos são reabsorvidos.
  3. Secreção tubular: Resíduos metabólicos e íons são ativamente secretados para a urina final.

5. Controle da Sede e Comunicação Rins-Sistema Nervoso Central

O hipotálamo regula a sede através de osmorreceptores sensíveis à concentração plasmática de sódio. Quando a osmolaridade aumenta, a liberação de ADH (hormônio antidiurético) é estimulada, reduzindo a excreção de água pelos rins.

6. Relação do Eixo Hipotálamo-Hipófise-Rins (HHR)

O eixo HHR atua na regulação da pressão arterial e excreção urinária via sistema renina-angiotensina-aldosterona e ADH.

6.1 Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona (RAA)

Quando ocorre queda na pressão arterial ou diminuição do volume sanguíneo, as células justaglomerulares do rim liberam renina na circulação. A renina atua sobre o angiotensinogênio, uma proteína plasmática produzida pelo fígado, convertendo-o em angiotensina I. Esta, por sua vez, é convertida em angiotensina II pela ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), presente principalmente no endotélio pulmonar.

6.1.1 Efeitos da Angiotensina II

  • Nos vasos sanguíneos: Potente vasoconstritor, aumentando a resistência vascular e a pressão arterial.
  • Nos rins: Reduz a taxa de filtração glomerular e estimula a reabsorção de sódio nos túbulos renais.
  • No coração: Pode levar a hipertrofia cardíaca em casos de ativação crônica do sistema RAA.
  • No pulmão: Local principal da conversão de angiotensina I em angiotensina II devido à alta expressão da ECA.

Além disso, a angiotensina II estimula a secreção de aldosterona pelo córtex adrenal. A aldosterona promove a retenção de sódio e água nos rins, contribuindo para o aumento da volemia e da pressão arterial.

6.2 Sistema Renal e Regulação do pH

6.2.1 Função Renal na Regulação do pH Sanguíneo

Os rins desempenham um papel fundamental na manutenção do equilíbrio ácido-base do organismo, atuando de forma complementar ao sistema respiratório. Enquanto os pulmões controlam a eliminação do dióxido de carbono (CO₂), os rins ajustam a excreção de íons hidrônio (H⁺) e a reabsorção de bicarbonato (HCO₃⁻), permitindo um controle mais duradouro e eficiente do pH sanguíneo.

Esse processo ocorre nos néfrons, a unidade funcional dos rins, especialmente nos túbulos renais, onde mecanismos bioquímicos sofisticados regulam a excreção de ácidos e a regeneração de bases.

6.2.2 Mecanismos Bioquímicos Renais na Regulação do pH

  1. Excreção de íons H⁺

    • As células dos túbulos proximais secretam ativamente H⁺ no lúmen tubular por meio da enzima anidrase carbônica, que catalisa a conversão do CO₂ e H₂O em HCO₃⁻ e H⁺.
    • Esses íons H⁺ são eliminados na urina, ligados a tampões urinários como fosfato (HPO₄²⁻) e amônia (NH₃), evitando a acidificação excessiva da urina.
  2. Reabsorção e Regeneração de Bicarbonato (HCO₃⁻)

    • O bicarbonato filtrado nos glomérulos é reabsorvido nos túbulos proximais, impedindo a sua perda urinária.
    • Para cada H⁺ excretado, um HCO₃⁻ é regenerado e retornado ao plasma, ajudando a manter a reserva alcalina do organismo.
  3. Produção de Amônia e Excreção de Amônio (NH₄⁺)

    • Quando há excesso de ácidos no sangue, os rins aumentam a produção de amônia (NH₃) a partir do metabolismo da glutamina nas células tubulares renais.
    • A amônia se combina com H⁺ formando íon amônio (NH₄⁺), que é excretado na urina, reduzindo a acidose sistêmica.

6.2.3 Controle Hormonal da Regulação Ácido-Base pelo Rim

  1. Aldosterona

    • Secretada pelo córtex adrenal em resposta à angiotensina II e à hipercalemia, a aldosterona estimula a excreção de H⁺ nas células intercaladas dos túbulos coletores, aumentando a acidificação urinária.
  2. Hormônio Paratireoideano (PTH)

    • Aumenta a excreção de fosfato urinário, regulando o tampão fosfato e facilitando a eliminação de H⁺ pelos rins.
  3. Cortisol

    • Eleva a produção de enzimas envolvidas no metabolismo do bicarbonato, promovendo um equilíbrio mais eficiente do pH sanguíneo.

6.2.4 Tampões Fisiológicos e a Homeostase do pH

  1. Sistema Bicarbonato-Ácido Carbônico

    • Principal tampão extracelular, mantém o pH equilibrado por meio da reação: CO2+H2OH2CO3HCO3+H+CO₂ + H₂O ⇌ H₂CO₃ ⇌ HCO₃⁻ + H⁺
    • Os rins modulam a concentração de bicarbonato no plasma, enquanto os pulmões regulam a eliminação de CO₂.
  2. Tampão Fosfato

    • Ativo nos líquidos intracelulares e na urina, permitindo a excreção de H⁺ sem redução excessiva do pH urinário.
  3. Tampões Proteicos (Hemoglobina e Albumina)

    • A hemoglobina regula o pH nos eritrócitos, captando H⁺ liberado pelo metabolismo celular.

A interação entre rins, pulmões e sistemas tampões mantém a homeostase do pH, garantindo a estabilidade fisiológica do organismo. Alterações nesses mecanismos podem levar a distúrbios ácido-base como acidose e alcalose, exigindo uma compensação eficiente pelos sistemas respiratório e renal.

7. Glossário Técnico sobre Fisiologia Renal

  1. Néfron – Unidade funcional do rim responsável pela filtração do sangue e formação da urina.

  2. Glomérulo – Rede capilar dentro do néfron onde ocorre a filtração inicial do sangue.

  3. Filtração glomerular – Processo pelo qual substâncias dissolvidas no plasma são filtradas pelos capilares glomerulares para os túbulos renais.

  4. Renina – Enzima secretada pelas células justaglomerulares do rim que inicia o sistema renina-angiotensina-aldosterona.

  5. Angiotensina II – Potente vasoconstritor derivado do angiotensinogênio, que estimula a liberação de aldosterona e aumenta a pressão arterial.

  6. Aldosterona – Hormônio produzido pelo córtex adrenal que promove a reabsorção de sódio e água nos rins, regulando a pressão arterial.

  7. Hormônio Antidiurético (ADH) – Hormônio produzido pelo hipotálamo e armazenado na hipófise posterior, que reduz a excreção de água pelos rins.

  8. Osmorreceptores – Células especializadas do hipotálamo que detectam mudanças na osmolaridade do plasma e regulam a liberação de ADH.

  9. Eritropoetina (EPO) – Hormônio renal responsável pela estimulação da produção de hemácias na medula óssea.

  10. Taxa de Filtração Glomerular (TFG) – Medida da eficiência dos rins na filtração do plasma sanguíneo, frequentemente usada como parâmetro diagnóstico.

8. Estudo dirigido

Estudo Dirigido – Fisiologia Renal em Mamíferos Domésticos

1. Quais são as principais funções do sistema renal nos mamíferos domésticos?

2. Quais são as diferenças anatômicas dos rins entre cães, gatos, suínos, bovinos e equinos?

3. Como ocorre a filtração glomerular e quais fatores influenciam esse processo?

4. Como ocorre a reabsorção e secreção tubular no néfron?

5. Qual o papel do sistema renina-angiotensina-aldosterona (RAA) no controle da pressão arterial?

6. Como os rins regulam a osmolaridade plasmática e a excreção de água?

7. Qual a importância dos hormônios renais na homeostasia?

8. Como a insuficiência renal afeta a fisiologia do organismo?

9. O que acontece na intoxicação por sal em equinos e como tratá-la?

10. Como a interação entre rins e sistema nervoso central regula a sede?

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9. Estudos de Caso

Caso 1: Dálmata com insuficiência renal crônica (IRC)

Desde que adotou Max, um Dálmata de 10 anos, Lucas sempre o considerou um membro da família. No entanto, nas últimas semanas, algo estava errado. Max começou a beber água de forma excessiva e, consequentemente, a urinar com muita frequência, a ponto de Lucas precisar trocar os tapetes da casa com mais regularidade. Além disso, Max já não tinha mais o mesmo apetite de antes e seu corpo estava visivelmente mais magro.

A preocupação aumentou quando Lucas percebeu um odor forte e diferente na boca do cão. Ele decidiu, então, levá-lo ao veterinário. No consultório, o veterinário realizou a anamnese e coletou informações detalhadas sobre os sintomas. Lucas mencionou ainda que Max teve episódios de vômito e estava mais apático, sem a energia que sempre teve.

Após o exame clínico, o veterinário suspeitou de uma possível insuficiência renal crônica (IRC) e solicitou exames complementares. A urinálise revelou proteinúria e densidade urinária reduzida, sugerindo que os rins não estavam funcionando adequadamente. Já a bioquímica sanguínea apontou níveis elevados de ureia e creatinina, além de hiperfosfatemia e anemia normocítica normocrômica. Com base nesses achados, o diagnóstico de insuficiência renal crônica foi confirmado, embora o veterinário tenha considerado diagnósticos diferenciais como nefrite crônica, leptospirose, neoplasias renais e amiloidose.

Lucas ficou apreensivo ao saber que a doença não tinha cura, mas o veterinário o tranquilizou, explicando que com tratamento adequado e monitoramento regular, Max poderia ter uma boa qualidade de vida. O plano terapêutico incluiu uma dieta específica para suporte renal, fluidoterapia ajustada para ajudar na eliminação de toxinas, inibidores da ECA para controle da pressão arterial e suplementação de bicarbonato de sódio para tratar a acidose metabólica. Além disso, agentes quelantes de fósforo foram prescritos para reduzir a hiperfosfatemia.

Com o início do tratamento, Max começou a apresentar melhora. Embora a sede e a frequência urinária ainda estivessem presentes, ele passou a demonstrar mais disposição e seu apetite voltou gradualmente. Lucas compreendeu que o acompanhamento veterinário seria essencial dali em diante, mas estava disposto a fazer tudo o que fosse necessário para garantir conforto ao seu fiel companheiro.

Caso 2: O Cavalo do Enduro

Na fazenda de Marcos, o enduro equestre era mais do que um esporte, era uma paixão. Seu cavalo, um belo Quarto de Milha chamado Trovoada, era seu parceiro inseparável nas competições. Durante uma prova de resistência de 80 km, Marcos tomou uma decisão que acreditava ser prudente: restringiu o acesso de Trovoada à água por algumas horas para evitar possíveis cólicas. No entanto, o cavalo teve acesso livre ao suplemento mineral antes e depois da prova.

No início, tudo parecia normal. Mas, algumas horas após o evento, Trovoada começou a demonstrar sinais preocupantes. Ele estava tremendo, com os músculos rígidos, apresentava andar instável (ataxia) e parecia desorientado. Marcos ficou alarmado quando percebeu que o cavalo também tinha sinais claros de desidratação severa, com as mucosas secas e olhos encovados. Sem hesitar, ele chamou o veterinário da fazenda.

Ao examinar o animal, o veterinário logo suspeitou de uma intoxicação por excesso de sal, agravada pela privação de água. Para confirmar, solicitou exames laboratoriais. O hemograma revelou hipernatremia e hemoconcentração, indicando que o organismo do cavalo estava tentando compensar o desequilíbrio hídrico. A urinálise mostrou densidade urinária elevada, sugerindo que os rins estavam retendo o máximo de água possível para evitar mais desidratação. Além disso, os eletrólitos séricos estavam completamente desbalanceados.

Diante do quadro crítico, o veterinário explicou que o excesso de sódio no sangue fez com que o organismo retirasse água das células para tentar equilibrar os níveis. Isso pode levar a complicações neurológicas graves e até mesmo à morte se não for tratado rapidamente.

O tratamento foi iniciado imediatamente. Trovoada recebeu fluidoterapia intravenosa administrada lentamente para corrigir os níveis de sódio de forma segura e evitar edema cerebral. O veterinário monitorou os sinais vitais do animal e, em casos selecionados, pode-se utilizar diuréticos para acelerar a eliminação do excesso de sal, mas, no caso de Trovoada, a reposição hídrica controlada foi suficiente.

Após algumas horas de monitoramento intensivo, Trovoada começou a se recuperar. Seu estado clínico foi melhorando progressivamente, e Marcos, aliviado, prometeu nunca mais restringir o acesso à água de seu cavalo, compreendendo a importância do equilíbrio entre consumo de sais e hidratação adequada.

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