Fisiologia da Homeostase do Cálcio e Fósforo nos Mamíferos Domésticos

 

Fisiologia da Homeostase do Cálcio e do Fósforo nos Mamíferos Domésticos

1. Introdução

A homeostase do cálcio e do fósforo é essencial para a manutenção das funções fisiológicas nos mamíferos domésticos. O equilíbrio entre absorção, armazenamento e excreção desses elementos é regulado por um complexo sistema hormonal, envolvendo o paratormônio (PTH), calcitriol (forma ativa da vitamina D) e calcitonina. Esses hormônios influenciam diretamente o metabolismo ósseo, a função renal, a absorção intestinal e vários sistemas orgânicos, incluindo o sistema cardiovascular, muscular e nervoso.

2. Aspectos Bioquímicos e Fisiológicos

O cálcio e o fósforo são minerais essenciais para a estrutura e função do organismo:

  • Cálcio (Ca2+): Atua na contração muscular, transmissão nervosa, coagulação sanguínea e constituição da matriz óssea.
  • Fósforo (P): Componente de ATP, DNA, RNA e fosfolipídeos, além de ser fundamental na mineralização óssea.

Esses minerais estão interligados no metabolismo ósseo, uma vez que a principal reserva do organismo está na forma de hidroxiapatita [Ca10(PO4)6(OH)2].

3. Absorção, Metabolismo e Excreção

3.1 Mecanismos de Absorção Intestinal

A absorção de cálcio e fósforo ocorre no intestino delgado, especialmente no duodeno e jejuno, por mecanismos distintos:

  • Transporte ativo: O cálcio é absorvido via transportador TRPV6, cuja expressão é estimulada pelo calcitriol. Esse mecanismo é crucial quando a ingestão de cálcio é baixa.
  • Difusão passiva: Ocorre principalmente quando há alta disponibilidade luminal de cálcio e fósforo, sendo um processo dependente do gradiente de concentração.
  • Fatores influenciadores: pH intestinal, presença de fitatos e oxalatos (que quelam cálcio e reduzem a absorção), níveis de vitamina D e competição com outros íons, como magnésio e ferro.

O fósforo, por sua vez, é absorvido majoritariamente por transporte ativo dependente de sódio, mediado pelos cotransportadores NPT2b no enterócito intestinal. O calcitriol também estimula esse transporte, aumentando a absorção intestinal de fósforo.

3.2 Metabolismo Renal

Os rins desempenham um papel central na regulação do cálcio e do fósforo plasmáticos por meio de processos de filtração, reabsorção e excreção:

  • Reabsorção de cálcio: Aproximadamente 99% do cálcio filtrado pelos glomérulos renais é reabsorvido ao longo dos néfrons. A maior parte da reabsorção ocorre no túbulo proximal e na alça de Henle, enquanto o ajuste fino ocorre nos túbulos distais e ductos coletores, regulado pelo PTH e pelo calcitriol.
  • Excreção de fósforo: Diferentemente do cálcio, uma porção significativa do fósforo filtrado é excretada. O FGF-23 (fator de crescimento de fibroblastos 23) é um importante regulador desse processo, promovendo a excreção renal de fósforo e inibindo a síntese de calcitriol.

A interação entre esses mecanismos renais garante a manutenção da homeostase mineral e evita desequilíbrios que possam comprometer a função óssea e sistêmica.

3.3 Armazenamento na Matriz Óssea

O esqueleto atua como a maior reserva de cálcio e fósforo do organismo, e a remodelação óssea desempenha um papel fundamental na manutenção da homeostase desses minerais:

  • Reabsorção óssea: Osteoclastos promovem a degradação da matriz óssea, liberando cálcio e fósforo na circulação, um processo estimulado pelo PTH.
  • Deposição óssea: Osteoblastos depositam nova matriz óssea e promovem a mineralização, um processo estimulado pela calcitonina e pelo efeito indireto do calcitriol.
  • Regulação hormonal: O equilíbrio entre reabsorção e deposição óssea é modulado pelo PTH, calcitriol, calcitonina e FGF-23, garantindo que as reservas minerais sejam mobilizadas conforme a necessidade do organismo.

3.4 Mecanismo de Contração do Músculo Esquelético

O cálcio desempenha um papel essencial na contração muscular, sendo liberado pelo retículo sarcoplasmático e interagindo com a troponina C para permitir a interação entre actina e miosina. Esse processo ocorre em ciclos regulados pelo ATP, sendo fundamental para a função muscular eficiente. A hipocalcemia pode levar à tetania e fraqueza muscular, enquanto a hipercalcemia pode resultar em fadiga e redução da excitabilidade neuromuscular.

3.5 Formação do Leite e do Colostro

A produção do leite e do colostro requer uma alta disponibilidade de cálcio e fósforo, uma vez que esses minerais são fundamentais para a síntese da caseína e outras proteínas do leite. Durante a lactação, o metabolismo ósseo se adapta para fornecer cálcio ao leite materno. O PTHrP (paratormônio relacionado à proteína) aumenta a mobilização óssea de cálcio, enquanto o calcitriol regula a absorção intestinal para suprir a demanda da glândula mamária.

3.6 Importância do Cálcio no Parto

Durante a lactação e o parto, ocorre um aumento drástico na demanda de cálcio, podendo resultar em hipocalcemia:

  • Febre do leite (hipocalcemia puerperal) em bovinos: Devido à drástica redução do cálcio sérico pós-parto, afetando a contração muscular e predispondo a complicações metabólicas.
  • Deficiência de cálcio: Afeta a contratilidade uterina, aumentando o risco de distocia e retenção placentária.
  • Mecanismos compensatórios: O aumento do PTH e do calcitriol no período periparto visa mobilizar cálcio da matriz óssea e otimizar a absorção intestinal, garantindo o suprimento adequado para a lactação.

4. Regulação Hormonal

4.1 Papel dos Hormônios

  • Paratormônio (PTH): Secretado pelas glândulas paratireoides em resposta à hipocalcemia, aumenta os níveis séricos de cálcio estimulando a reabsorção óssea, aumentando a absorção intestinal e reduzindo a excreção renal de cálcio.
  • Calcitriol (Vitamina D ativa): Derivado da vitamina D, estimula a absorção intestinal de cálcio e fósforo, além de modular a função óssea e renal.
  • Calcitonina: Hormônio secretado pela tireoide, antagoniza o PTH ao inibir a atividade osteoclástica e promover a excreção renal de cálcio, reduzindo a calcemia.

5. Conclusão

A homeostase do cálcio e do fósforo é regulada por mecanismos hormonais complexos que afetam diversos sistemas orgânicos. O entendimento desses processos é essencial para a prática veterinária, especialmente na prevenção e tratamento de distúrbios minerais que impactam a saúde óssea, renal e metabólica dos mamíferos domésticos.

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