Fisiologia das Glândulas Anexas ao Sistema Digestório nos Mamíferos Domésticos
Fisiologia do Pâncreas, Fígado e Vesícula Biliar nos Mamíferos Domésticos
1. Introdução
O estudo da fisiologia do pâncreas, fígado e vesícula biliar nos mamíferos domésticos é fundamental para a compreensão dos processos digestivos, metabólicos e hormonais que regulam o organismo. Esses órgãos desempenham funções interdependentes, incluindo a secreção de enzimas digestivas, metabolismo de macronutrientes e regulação da fome por meio de interação com o sistema nervoso central. Este texto tem como objetivo apresentar uma abordagem abrangente sobre a fisiologia desses órgãos em espécies de interesse veterinário, incluindo cães, gatos, suínos, bovinos e equinos.
2. Aspectos Anatômicos e Histológicos
2.1 Pâncreas
O pâncreas é um órgão misto, apresentando funções exócrinas e endócrinas. Localiza-se na cavidade abdominal, em associação ao duodeno, e sua morfologia varia entre as espécies.
- Cães e Gatos: Pâncreas lobulado, posicionado entre o duodeno e o estômago.
- Suínos: Estrutura compacta, com maior interação com o duodeno.
- Bovinos e Equinos: O pâncreas é mais desenvolvido e se estende ao longo da curvatura do duodeno.
Histologicamente, o pâncreas possui os ácinos pancreáticos (responsáveis pela secreção exócrina) e as ilhotas de Langerhans, que produzem hormônios como insulina, glucagon e somatostatina.
2.2 Fígado
O fígado é um dos maiores órgãos do corpo e apresenta funções essenciais no metabolismo. Sua localização e lobulação variam entre as espécies:
- Cães e Gatos: Fígado dividido em seis lobos bem definidos.
- Suínos: Apresentam lobos hepáticos mais bem delimitados.
- Bovinos: Fígado volumoso, localizado mais à direita devido ao rúmen.
- Equinos: Sem vesícula biliar, o fígado secreta bile continuamente no duodeno.
A histologia do fígado é caracterizada pelos hepatócitos, organizados em lobos hepáticos, que exercem funções metabólicas e secretoras.
2.3 Vesícula Biliar
A vesícula biliar armazena e concentra a bile, liberando-a no duodeno para emulsificação de lipídeos. Bovinos e equinos possuem peculiaridades:
- Equinos: Não possuem vesícula biliar, secretando bile diretamente no intestino.
- Bovinos: Pequena vesícula biliar, pois possuem secreção biliar constante.
Para visualização de cortes histológicos destes órgãos Clique aqui
3. Produção Bioquímica e Controle Hormonal
3.1 Hormônios Pancreáticos
As ilhotas de Langerhans contêm células que secretam hormônios fundamentais para controle da glicose sérica:
- Células Beta: Produzem insulina, que reduz a glicemia.
- Células Alfa: Secretam glucagon, que eleva a glicemia.
- Células Delta: Produzem somatostatina, que regula a liberação dos outros hormônios pancreáticos.
3.2 Produção e Secreção da Bile
A bile é produzida pelo fígado e armazenada na vesícula biliar, sendo essencial para a digestão de lipídeos. Contém ácidos biliares, colesterol e bilirrubina, que facilitam a emulsificação e absorção de gorduras no intestino.
3.3 Controle da Fome pelo Sistema Nervoso Central
O hipotálamo regula a fome por meio de hormônios:
- Leptina: Inibe a fome.
- Grelina: Estimula o apetite.
- Insulina e Glucagon: Modulam o balanço energético, interagindo com o hipotálamo.
4. Digestão e Absorção de Nutrientes
4.1 Aminoácidos
A digestão de proteínas inicia-se no estômago com a pepsina e continua no intestino delgado com as proteases pancreáticas. Os aminoácidos são absorvidos pelos enterócitos e transportados via circulação porta ao fígado.
4.2 Carboidratos
A amilase pancreática quebra polissacarídeos em dissacarídeos, convertidos em monossacarídeos pelas enzimas intestinais. A glicose é transportada ao fígado para metabolismo ou armazenamento.
4.3 Lipídeos
A bile emulsifica gorduras, enquanto a lipase pancreática quebra triglicerídeos em monoglicerídeos e ácidos graxos, absorvidos e convertidos em quilomícrons antes de entrarem na circulação linfática.
Para um detalhamento da distinção destes processos em ruminantes e monogástrico recomendamos a leitura disponível neste link.
5. Mecanismos de Feedback
O eixo pâncreas-fígado-hipotálamo-hipófise regula o metabolismo energético. A insulina e o glucagon ajustam a glicemia, enquanto a interação com o SNC influencia o apetite e o consumo de nutrientes.
O feedback negativo impede excessos metabólicos, garantindo homeostasia e prevenindo doenças metabólicas.
6. Intestino dos Mamíferos Domésticos
O intestino é segmentado em delgado (duodeno, jejuno e íleo) e grosso (cólon, ceco e reto), com funções adaptadas ao tipo de alimentação de cada espécie:
6.1 Funções por Segmento e Espécie
Espécie |
Intestino Delgado |
Ceco |
Cólon |
Cão |
Absorção rápida de nutrientes |
Pequeno, pouca fermentação |
Simples, reabsorção de água |
Gato |
Digestão proteica eficiente |
Pequeno |
Similar ao do cão |
Suíno |
Alta absorção de carboidratos |
Desenvolvido, fermentação de fibras |
Cólon em espiral, digestão secundária |
Bovino |
Digestão de proteína microbiana |
Grande, fermentação significativa |
Absorção de ácidos graxos voláteis |
Equino |
Menor digestão no delgado |
Muito desenvolvido, fermentação de fibras |
Extenso, absorção de ácidos graxos |
7. Mecanismos de Feedback Pâncreas/Fígado/Hipotálamo/Hipófise
O equilíbrio metabólico é mantido por mecanismos de feedback:
Feedback negativo:
Alta glicose → Insulina reduz glicemia estimulando captação celular de glicose.
Baixa glicose → Glucagon estimula glicogenólise e gliconeogênese hepática.
Cortisol (hipófise) estimula metabolismo hepático para aumentar glicemia.
Feedback positivo:
Grelina estimula fome e liberação de neuropeptídeo Y no hipotálamo.
Aumento de cortisol intensifica gliconeogênese hepática, reforçando resposta metabólica.
Regulação hepática:
Insulina estimula armazenamento de glicogênio e síntese proteica.
Glucagon promove liberação de glicose pela glicogenólise e gliconeogênese.
Hormônios hipofisários modulam o metabolismo hepático por meio da regulação da gliconeogênese, glicogenólise e síntese proteica. O hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) estimula a secreção de cortisol pelo córtex adrenal, promovendo a mobilização de substratos energéticos e a gliconeogênese hepática. O hormônio do crescimento (GH) influencia o metabolismo hepático ao estimular a produção do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1), que regula a síntese proteica e a utilização de glicose. Além disso, a prolactina pode ter efeitos indiretos na modulação do metabolismo hepático por meio da interação com outros sistemas hormonais. metabolismo hepático.
6. Conclusão
A fisiologia do pâncreas, fígado e vesícula biliar nos mamíferos domésticos é complexa e interdependente. O conhecimento detalhado desses órgãos é essencial para o entendimento de doenças metabólicas e digestivas, permitindo a prática veterinária eficaz na prevenção e tratamento dessas condições.
8. Glossário de Termos Técnicos
- Hepatócitos – Células funcionais do fígado responsáveis pelo metabolismo de nutrientes, desintoxicação e síntese de proteínas plasmáticas.
- Ilhotas de Langerhans – Conjunto de células endócrinas do pâncreas que secretam hormônios como insulina e glucagon.
- Gliconeogênese – Processo hepático de síntese de glicose a partir de precursores não glicídicos, como aminoácidos e glicerol.
- Lipólise – Degradação de triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol, usada como fonte de energia.
- Enterócitos – Células epiteliais do intestino delgado responsáveis pela absorção de nutrientes.
- Quilomícrons – Lipoproteínas formadas no intestino para transporte de lipídeos na circulação linfática.
- Bile – Substância secretada pelo fígado, essencial para emulsificação e digestão de gorduras.
- Feedback negativo – Mecanismo de regulação fisiológica que inibe a produção de um hormônio quando sua função já foi cumprida.
- Somatostatina – Hormônio inibidor da secreção de insulina e glucagon, além de reduzir a motilidade gastrointestinal.
- Homeostasia – Capacidade do organismo de manter um ambiente interno estável, regulando processos metabólicos e fisiológicos.