Fisiologia da Nutrição de Monogástricos nos Animais Domésticos

 

Fisiologia da Nutrição de Monogástricos nos Animais Domésticos


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1. Introdução

A nutrição de monogástricos é um tema fundamental na medicina veterinária e na zootecnia, pois influencia diretamente o crescimento, a saúde e a produtividade dos animais. Os monogástricos, como cães, gatos e suínos, possuem um sistema digestório adaptado para a digestão e absorção de nutrientes específicos. Este material explora os aspectos anatômicos, histológicos, bioquímicos e hormonais do sistema digestório, com ênfase na regulação e interação dos órgãos envolvidos.

 

Fonte:KLEIN. Tratado de Fisiologia Veterinária de Cunningham, 5a. Edição.

2. Aspectos Anatômicos e Histológicos do Sistema Digestório dos Monogástricos

2.1 Características Gerais

Os monogástricos possuem um trato digestório composto por boca, esôfago, estômago, intestino delgado e intestino grosso, além de glândulas acessórias como fígado e pâncreas. A estrutura anatômica é especializada para cada espécie de acordo com seus hábitos alimentares.

2.2 Peculiaridades Anatômicas por Espécie

  • Cães: Estômago glandular adaptado para dietas ricas em proteínas; intestino delgado longo para absorção eficiente de nutrientes.
  • Gatos: Sistema digestório curto e altamente eficiente para dietas carnívoras estritas; alta dependência proteica.
  • Suínos: Estômago simples, mas altamente eficiente na digestão de carboidratos e fibras solúveis; ceco relativamente desenvolvido para fermentação parcial.
Dr. Rosivaldo Vet: ESTÔMAGO UNICAVITÁRIO (Cão, Gato, Suínos, Equinos) 
Fonte: HORST E. K; HANS. G. L. Anatomia dos animais domésticos. Texto e atlas colorido,- 4ª edição, Editora Artmed, 2011

2.3 Histologia do Sistema Digestório

A mucosa digestiva apresenta epítelio especializado para absorção e secreção de enzimas digestivas. No estômago, células parietais secretam ácido clorídrico, enquanto células principais produzem pepsinogênio. No intestino delgado, vilosidades aumentam a superfície de absorção.

3. Produção Bioquímica de Enzimas do Sistema Digestório dos Monogástricos

A digestão química nos monogástricos depende da produção de enzimas digestivas, reguladas por mecanismos hormonais e nervosos.

  • Amilase salivar (suínos): Inicia a digestão de carboidratos na boca.
  • Pepsina: Atua no estômago na digestão de proteínas.
  • Lipase pancreática: Responsável pela digestão de lipídios.
  • Proteases pancreáticas (tripsina e quimotripsina): Continuam a digestão proteica no intestino delgado.
  • Disacaridases (maltase, lactase e sacarase): Atuam na digestão de carboidratos no epitélio intestinal.

4. Nutrição e Digestão de Proteínas, Lipídios e Carboidratos

4.1 Digestão e Metabolismo das Proteínas

As proteínas são inicialmente desnaturadas no estômago pelo HCl e hidrolisadas em peptídeos menores pela pepsina. No intestino delgado, as proteases pancreáticas e enzimas da borda em escova convertem os peptídeos em aminoácidos, que são absorvidos pelos enterócitos e transportados pelo sistema porta até o fígado.

  • Cães e gatos: Exigência elevada de aminoácidos essenciais.
  • Suínos: Necessitam de dietas balanceadas em lisina e metionina para crescimento eficiente.

4.2 Digestão e Metabolismo dos Lipídios

Os lipídios são emulsificados pela bile e hidrolisados por lipases pancreáticas. Os ácidos graxos resultantes são absorvidos pelas micelas intestinais e transportados para os tecidos via quilomícrons.

  • Gatos: Necessitam de maior quantidade de ácidos graxos essenciais.
  • Suínos: Possuem boa capacidade de digestão de gorduras vegetais.

Para diferenciação da digestão de lípidos em monogástricos e ruminantes recomendamos a leitura disponível neste link

4.3 Digestão e Metabolismo dos Carboidratos

A digestão dos carboidratos começa na boca (suínos) e continua no intestino delgado pela ação da amilase pancreática. A glicose é absorvida pelos enterócitos e utilizada na glicólise para produção de ATP.

Para diferenciação da digestão de carboidratos em monogástricos e ruminantes recomendamos a leitura disponível neste link.

5. Hormônios Relacionados à Nutrição e Digestão

Insulina

  • Origem: Células beta das ilhotas pancreáticas.
  • Função: Reduz a glicemia ao promover a captação de glicose pelas células, estimula a síntese de glicogênio (glicogênese) no fígado e músculos e inibe a lipólise.
  • Mecanismo Bioquímico: A insulina liga-se a receptores de tirosina quinase na membrana celular, ativando cascatas de sinalização que aumentam a expressão do transportador GLUT-4 nas células musculares e adiposas.
  • Relação com a Digestão: Estimula a síntese de proteínas e inibe o catabolismo proteico, além de favorecer a absorção de aminoácidos no intestino.

2. Glucagon

  • Origem: Células alfa das ilhotas pancreáticas.
  • Função: Aumenta a glicemia ao estimular a glicogenólise hepática e a gliconeogênese.
  • Mecanismo Bioquímico: Atua via receptores acoplados à proteína G, ativando a adenilato ciclase e aumentando os níveis de AMPc, que ativa a proteína quinase A (PKA), promovendo a degradação do glicogênio.
  • Relação com a Digestão: Durante períodos de jejum, promove a mobilização de lipídios e proteínas para geração de energia, reduzindo a dependência de carboidratos na dieta.

3. Grelina

  • Origem: Estômago (células enteroendócrinas).
  • Função: Estimula o apetite ao agir sobre o hipotálamo.
  • Mecanismo Bioquímico: Atua nos receptores GHS-R1a no hipotálamo, aumentando a liberação de neuropeptídeo Y (NPY) e proteína relacionada ao agouti (AgRP), que estimulam a fome.
  • Relação com a Digestão: Estimula a motilidade gástrica e a secreção de ácido clorídrico, preparando o sistema digestório para a ingestão de alimentos.

4. Leptina

  • Origem: Células adiposas.
  • Função: Inibe o apetite e regula o gasto energético.
  • Mecanismo Bioquímico: Atua nos receptores OB-R do hipotálamo, reduzindo a produção de NPY e AgRP e aumentando os níveis de pro-opiomelanocortina (POMC), que reduz a fome.
  • Relação com a Digestão: Regula a eficiência da absorção de nutrientes e o metabolismo energético, influenciando a demanda calórica do organismo.

5. Hormônio Colecistocinina (CCK)

  • Origem: Duodeno e jejuno.
  • Função: Estimula a liberação de bile e enzimas pancreáticas.
  • Mecanismo Bioquímico: Atua em receptores acoplados à proteína G, promovendo a contração da vesícula biliar e aumentando a secreção enzimática pancreática.
  • Relação com a Digestão: Facilita a digestão de lipídios e proteínas, promovendo a emulsificação e degradação eficiente desses nutrientes.

6. Secretina

  • Origem: Células S do duodeno.
  • Função: Estimula a secreção de bicarbonato pelo pâncreas para neutralizar o pH do quimo.
  • Mecanismo Bioquímico: Atua via receptores acoplados à proteína G, ativando a adenilato ciclase e aumentando o AMPc.
  • Relação com a Digestão: Protege a mucosa intestinal do pH ácido, criando um ambiente ideal para a ação das enzimas digestivas pancreáticas.

7. Cortisol

  • Origem: Glândulas adrenais (zona fasciculada do córtex adrenal).
  • Função: Regula o metabolismo energético e resposta ao estresse.
  • Mecanismo Bioquímico: Liga-se a receptores intracelulares, modulando a expressão gênica de enzimas envolvidas na gliconeogênese e no catabolismo proteico.
  • Relação com a Digestão: Aumenta a disponibilidade de glicose em situações de estresse e inibe a resposta inflamatória do trato digestivo.

9. Estudos de Caso

9.1 Diabetes Mellitus em Cães

Max, um Labrador Retriever de nove anos, sempre foi um cão enérgico e brincalhão. No entanto, nas últimas semanas, seu tutor começou a notar algo estranho: Max bebia água constantemente e urinava com muita frequência. Além disso, mesmo comendo mais do que o normal, ele parecia estar perdendo peso.

Preocupado, seu tutor o levou ao veterinário. Durante o exame clínico, a equipe notou sinais de desidratação leve e um fígado ligeiramente aumentado ao toque. Suspeitando de um possível distúrbio metabólico, o veterinário solicitou exames laboratoriais. O resultado confirmou as suspeitas: a glicemia de jejum de Max estava acima de 300 mg/dL, e a urina apresentava glicosúria e cetonúria, sinais claros de diabetes mellitus.

Para descartar outras condições, como síndrome de Cushing ou insuficiência hepática, exames adicionais foram realizados, mas nada indicava outra patologia. Com o diagnóstico confirmado, o tratamento foi iniciado imediatamente. Max passou a receber insulina NPH diariamente, além de uma dieta específica rica em fibras, ajudando no controle da glicose e prevenindo episódios de hipoglicemia.

Nos meses seguintes, seu tutor foi orientado a monitorar a glicemia e manter uma rotina alimentar rigorosa. Aos poucos, Max voltou a ser o cachorro ativo de antes, mostrando que, com o tratamento adequado, cães diabéticos podem levar uma vida longa e saudável.

9.2 Distúrbios Digestórios em Granjas Tecnificadas de Suínos

Em uma moderna granja de suínos, os tratadores notaram um problema preocupante: vários leitões na fase de creche estavam apresentando diarreia aquosa intensa, sinais de desidratação e atraso no crescimento. A mortalidade não era alta, mas o impacto no desenvolvimento dos animais era evidente.

O veterinário responsável pela granja foi acionado para investigar o surto. Logo, ele coletou amostras fecais dos leitões doentes e enviou para análise laboratorial. O resultado da coprocultura revelou uma alta concentração de Escherichia coli, uma bactéria conhecida por causar enterites em suínos jovens. Além disso, a histopatologia mostrou atrofia das vilosidades intestinais, comprometendo a absorção de nutrientes.

Diante do diagnóstico, um plano de ação foi traçado. Os leitões afetados receberam terapia antimicrobiana específica, enquanto os demais foram tratados preventivamente com probióticos para restaurar a microbiota intestinal. Além disso, a equipe ajustou a formulação da dieta, garantindo um melhor equilíbrio nutricional para os animais na fase de creche.

Por fim, foram reforçadas as medidas de biossegurança, como desinfecção rigorosa dos ambientes e controle da qualidade da água e dos alimentos. Em poucas semanas, os leitões começaram a recuperar peso, e a taxa de crescimento da granja voltou ao normal. Esse episódio reforçou a importância de um manejo sanitário e nutricional adequado para evitar surtos de diarreia e garantir uma produção eficiente.

10. Glossário de Termos Técnicos

  • Monogástrico: Animais com um único estômago, como cães, gatos e suínos.
  • Epitélio: Camada de células que reveste superfícies internas e externas do corpo e órgãos.
  • Vilosidades intestinais: Estruturas no intestino delgado que aumentam a superfície de absorção de nutrientes.
  • Pepsinogênio: Precursor inativo da pepsina, que é ativado pelo ambiente ácido do estômago.
  • Lipase pancreática: Enzima responsável pela digestão de lipídios (gorduras).
  • Quilomícrons: Partículas que transportam lipídios absorvidos no intestino para os tecidos.
  • Proteases pancreáticas: Enzimas produzidas pelo pâncreas, como tripsina e quimotripsina, que quebram proteínas em peptídeos menores.
  • Glicosúria: Presença de glicose na urina, geralmente indicativa de diabetes.
  • Probióticos: Micro-organismos benéficos para a saúde intestinal.
  • Enteropatia proliferativa suína: Doença intestinal dos suínos causada por Lawsonia intracellularis, resultando em diarreia e atraso no crescimento.

11. Estudo Dirigido

 1. Quais são os principais componentes do trato digestório dos monogástricos?

2. Quais são as características anatômicas do sistema digestório dos cães, gatos e suínos?

3. O que caracteriza a histologia do sistema digestório dos monogástricos?

4. Qual é o papel da amilase salivar na digestão dos suínos?

5. O que é a pepsina e qual sua função no sistema digestório?

6. Como ocorre a digestão dos lipídios nos monogástricos?

7. Qual a função das proteases pancreáticas, como a tripsina e a quimotripsina?

8. Quais são as principais diferenças entre a digestão de proteínas em cães, gatos e suínos?

9. O que caracteriza o caso clínico de diabetes mellitus em cães descrito no texto?

10. O que é a enteropatia proliferativa suína e como pode ser tratada?


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