Fisiologia da Nutrição de Aves Comerciais

Fisiologia da Nutrição de Aves Comerciais

1. Aspectos Anatômicos e Histológicos das Estruturas do Sistema Digestório das Aves Domésticas

O sistema digestório das aves domésticas apresenta adaptações morfológicas únicas, resultado da evolução para o voo e das especificidades dietéticas. As principais estruturas incluem: bico, cavidade bucal, esôfago, papo, proventrículo, moela, intestino delgado (duodeno, jejuno e íleo), intestino grosso (cecos e reto) e cloaca. A ausência de dentes exige que a moagem do alimento ocorra mecanicamente na moela, um órgão altamente muscularizado.

Histologicamente, essas estruturas são compostas pelas quatro camadas clássicas do tubo digestivo: mucosa, submucosa, muscular e serosa. A mucosa, rica em células especializadas, é responsável pela secreção de enzimas e pela absorção de nutrientes. No proventrículo, células ácidas e principais secretam ácido clorídrico e pepsinogênio, fundamentais para a digestão proteica.

  • Bico e cavidade oral: ausência de dentes; a saliva contém enzimas digestivas iniciais.

  • Esôfago e papo: armazena alimento e o umedece.

  • Proventrículo: estômago glandular que secreta HCl e pepsinogênio.

  • Moela (ventrículo): tritura mecanicamente os alimentos com a ajuda de grânulos (grit).

  • Intestino delgado: digestão e absorção de nutrientes.

  • Cecos pareados: fermentação limitada de fibras.

  • Cloaca: único órgão de saída dos sistemas digestório, urinário e reprodutivo.

 2. Distinção entre as Linhagens: Aves de Corte e Aves de Postura

A diferenciação entre aves de corte e de postura é essencial para compreensão de suas demandas fisiológicas. As aves de corte, como o frango de corte (broiler), são geneticamente selecionadas para ganho rápido de peso, deposição muscular e eficiência alimentar. Por outro lado, aves de postura (poedeiras) têm como foco a produção sustentada de ovos, exigindo um metabolismo voltado para manutenção e metabolismo do cálcio.

Essas diferenças impactam profundamente o desenvolvimento dos órgãos digestórios. Poedeiras apresentam maior desenvoltura intestinal e aumento da capacidade de absorção de minerais, especialmente cálcio. Broilers têm trato digestório relativamente mais curto, mas com alta taxa de eficiência enzimática.

As aves de corte (frangos de corte) e de postura (galinhas poedeiras) foram geneticamente selecionadas para objetivos distintos:

  • Aves de corte: crescimento rápido, deposição de músculo, alta conversão alimentar.

  • Aves de postura: alta produção de ovos, longevidade e estabilidade no metabolismo cálcico.

Essas diferenças influenciam profundamente as exigências nutricionais, o metabolismo energético e a função hormonal.

3. Produção Bioquímica dos Hormônios da Digestão das Aves

Os hormônios digestivos nas aves são secretados por células enteroendócrinas distribuídas ao longo do trato gastrointestinal. A gastrina, produzida no proventrículo, estimula a secreção ácida. A secretina e a colecistocinina (CCK), liberadas no duodeno, regulam a secreção pancreática e a contração da vesícula biliar. O peptídeo inibidor gástrico (GIP) atua inibindo a motilidade e secreções gástricas em condições de excesso de nutrientes.

Adicionalmente, as incretinas têm sido reconhecidas como importantes moduladores do metabolismo energético, ligando o estado nutricional à secreção de insulina pelas células ß do pâncreas.

  • Gastrina: secretada no proventrículo, estimula a secreção ácida.

  • Secretina: atua estimulando a secreção de bicarbonato pelo pâncreas.

  • Colecistocinina (CCK): estimula a secreção de enzimas pancreáticas e bile.

  • Peptídeo inibidor gástrico (GIP): inibe a motilidade gástrica e regula a insulina.

  • Glucagon e Insulina: regulam a glicemia.

4. Mecanismos Bioquímicos da Digestão e Nutrição de Aves Comerciais

A digestão é iniciada no proventrículo com a secreção ácida que desnatura proteínas e ativa enzimas como a pepsina. Na moela, ocorre trituração mecânica do alimento. O quimo segue ao duodeno, onde enzimas pancreáticas como amilase, lipase e tripsina promovem hidrólise dos nutrientes.

A absorção de carboidratos, aminoácidos e ácidos graxos ocorre principalmente no jejuno e íleo, facilitada por transportadores específicos. Minerais como cálcio e fósforo são absorvidos ativamente, sob regulação hormonal.

5. Demandas Nutricionais de Aves de Corte e de Postura

As exigências nutricionais variam conforme a linhagem e fase fisiológica. Aves de corte apresentam alta demanda de energia metabolizável, proteína bruta e aminoácidos essenciais (metionina, lisina). A suplementação com enzimas exógenas (fitase, xilanase) melhora a digestibilidade.

Poedeiras necessitam maior aporte de cálcio (3,5-4,5%) e vitamina D3 para sustentação da formação de casca de ovo, além de adequada proteína digestível e balanço eletrolítico. Exigências também mudam entre as fases de cria, recria e postura.

  • Carboidratos: iniciam digestão no intestino delgado via amilase pancreática e enzimas da borda em escova. A glicose é transportada por SGLT1 e GLUT2.

  • Proteínas: digeridas por pepsina, tripsina, quimotripsina e peptidases. Absorvidas como dipeptídeos e aminoácidos livres.

  • Lipídeos: emulsificados por sais biliares, hidrolisados por lipases e absorvidos na forma de ácidos graxos e monoglicerídeos via micelas.

 6. Relação dos Hormônios da Digestão com Outros Hormônios e Sistemas

Os hormônios digestivos interagem com sistemas endócrinos centrais e periféricos. A gastrina é regulada pelo sistema nervoso entérico e pelo eixo hipotálamo-hipófise. A secretina possui ação antagônica ao glucagon em condições de jejum prolongado.

Incretinas modulam a secreção pancreática de insulina e atuam em sinergia com a leptina e o hormônio da tireoide (T3), interferindo na termogênese e no metabolismo basal.

Aves de Corte:

  • Alta demanda energética para crescimento.

  • Necessidade de proteínas com perfil ideal de aminoácidos.

  • Minerais como cálcio e fósforo para suporte ósseo.

Aves de Postura:

  • Alta demanda de cálcio e vitamina D3 para formação de casca.

  • Menor energia total, mas com balanço proteico estável.

  • Necessidade de antioxidantes para prolongar a vida produtiva.

As exigências variam conforme a idade e a fase produtiva (início, pico, final).

6. 1. Os hormônios digestivos interagem com sistemas endócrinos centrais e periféricos

Aspecto fisiológico:

  • O trato gastrointestinal não atua de forma isolada. Ele faz parte do eixo cérebro-intestino, onde há troca de sinais entre o sistema nervoso entérico (SNE), o SNC, e sistemas endócrinos, como o eixo hipotálamo-hipófise.

  • Hormônios como grelina, CCK, leptina, gastrina, secretina e incretinas têm receptores no cérebro (principalmente no hipotálamo), afetando apetite, saciedade, metabolismo e resposta ao estresse.

6.2. A gastrina é regulada pelo sistema nervoso entérico e pelo eixo hipotálamo-hipófise

Aspecto fisiológico:

  • A gastrina é um hormônio produzido pelas células G no antro gástrico, estimulando a secreção de HCl pelas células parietais.

  • Sua liberação é modulada por:

    • SNE, através da liberação de acetilcolina via nervo vago (controle local e autônomo).

    • Eixo hipotálamo-hipófise, que influencia funções autonômicas e respostas ao estresse que podem afetar a secreção gástrica (ex: estresse inibindo ou exacerbando produção de ácido gástrico).

6.3. A secretina possui ação antagônica ao glucagon em condições de jejum prolongado

Aspecto fisiológico:

  • A secretina é secretada pelo intestino delgado (células S do duodeno) em resposta a ácido gástrico.

  • Ela estimula o pâncreas exócrino a liberar bicarbonato, neutralizando o pH do quimo.

  • Em jejum prolongado:

    • O glucagon aumenta a glicemia por glicogenólise e gliconeogênese hepática.

    • A secretina, em contrapartida, inibe a motilidade e secreções gástricas, conservando energia e reduzindo o esvaziamento gástrico.

    • Esse antagonismo é parte de uma regulação cruzada entre o eixo digestivo e o metabolismo energético.

6.4. Incretinas modulam a secreção pancreática de insulina e atuam em sinergia com a leptina e o hormônio da tireoide (T3)

Aspecto fisiológico:

  • Incretinas (GLP-1, GIP) são hormônios intestinais liberados após a ingestão de alimentos. Elas:

    • Estimulam a liberação de insulina de forma dependente da glicose.

    • Inibem a secreção de glucagon.

    • Retardam o esvaziamento gástrico.

  • Leptina (do tecido adiposo) sinaliza saciedade ao hipotálamo.

  • T3 (triiodotironina) aumenta o metabolismo basal e a termogênese.

  • A sinergia entre incretinas, leptina e T3:

    • Integra o controle energético: digestão, absorção, gasto energético e controle do apetite são coordenados por sinais hormonais e neurais.

6.5. Interferindo na termogênese e no metabolismo basal

Aspecto fisiológico:

  • Termogênese: produção de calor corporal. Pode ser ativada via:

    • SNC (hipotálamo) que ativa tecido adiposo marrom via sistema simpático.

    • Hormônios como T3 e leptina que aumentam a expressão de proteínas desacopladoras (UCPs).

  • Incretinas também têm efeitos indiretos sobre o gasto energético por influenciar insulina, glucagon e saciedade.


Resumo da Integração Neuroendócrina:

Eixo/Hormônio Origem Ação principal Interação com SNC

Gastrina

Estômago (células G)

Estimula HCl

Modulado por vago e hipotálamo

Secretina

Duodeno

Secreção pancreática, inibe motilidade

Atua em jejum para conservar energia

Incretinas (GLP-1)

Intestino delgado

Estimulam insulina, inibem glucagon

Atuam no hipotálamo e tronco encefálico

Leptina

Tecido adiposo

Sinaliza saciedade, regula T3

Ação direta no hipotálamo

T3

Tireoide

Aumenta metabolismo e termogênese

Modula gasto energético no SNC


 7. Feedback com o Eixo Hipotálamo-Hipófise

O eixo hipotálamo-hipófise controla aspectos centrais da fome, saciedade e metabolismo basal. Hormônios como o hormônio liberador de corticotropina (CRH) e o hormônio do crescimento (GH) têm influência na partição de nutrientes. O GH favorece a lipólise e o uso de aminoácidos para crescimento muscular.

O feedback é mediado por vias neurais e hormonais, sendo o núcleo arqueado do hipotálamo sensível a variações de leptina, insulina e grelina.

O sistema endócrino regula a digestão por meio de feedback entre trato digestório, hipotálamo e glândula hipofisária:

  • A grelina secretada pelo trato gastrointestinal estimula o hipotálamo a liberar neuropeptídeos orexigênicos.

  • A leptina, produzida por adipócitos, inibe o apetite e regula o metabolismo.

  • O eixo HHA atua regulando o crescimento (GH), metabolismo (TSH, ACTH) e funções reprodutivas.

 8. Controle de Glicemia e Reserva Energética em Aves

As aves possuem glicemia fisiologicamente elevada (200-250 mg/dL) e menor sensibilidade periférica à insulina. A regulação glicêmica depende da ação conjunta do glucagon, corticosterona e hormônios tireoidianos. O fígado é o principal órgão de armazenamento de glicogênio.

Lipídeos são armazenados no tecido adiposo abdominal e viscerais. A mobilização ocorre sob estímulo do jejum ou estresse, com participação do eixo HPA.

  • A insulina promove a captação de glicose e a lipogênese.

  • O glucagon mobiliza a glicose hepática por glicogenólise e gliconeogênese.

Aves possuem menor sensibilidade à insulina em relação aos mamíferos, favorecendo um metabolismo adaptado às demandas energéticas intensas.

9. Fontes Energéticas das Aves Comerciais

As principais fontes energéticas incluem milho, sorgo e trigo, ricos em amido. Lipídeos vegetais, como óleo de soja e gordura animal, são adicionados para elevar a densidade energética. Aminoácidos também têm papel energético secundário em condições de carência.

O valor energético é expresso em energia metabolizável (EM) e ajustado conforme fase produtiva. Enzimas exógenas ampliam a biodisponibilidade de substratos energéticos.

  • Carboidratos: milho, sorgo, trigo.

  • Lipídeos: óleos vegetais (soja, milho), fontes de energia densa.

  • Proteínas: farelo de soja, farinha de carne, fontes de aminoácidos.

A densidade energética deve ser ajustada conforme o desempenho zootécnico, prevenindo problemas metabólicos.

 10. Relação entre Fisiologia da Nutrição e Crescimento Ósseo e Muscular

A nutrição adequada é fundamental para crescimento ósseo e muscular. A relação cálcio:fósforo (ideal 2:1) e presença de vitamina D3 são essenciais para mineralização óssea. A deficiência resulta em osteodistrofia, fraturas e perdas produtivas.

A deposição muscular depende da disponibilidade de aminoácidos essenciais, regulada pela insulina, GH e IGF-1. O balanceamento proteico-energético é crítico para evitar síndrome do crescimento rápido (como músculo peitoral amadeirado).

  • A ingestão adequada de cálcio, fósforo, vitamina D3 e proteína é essencial para formação óssea.

  • O GH (hormônio do crescimento) estimula a deposição de músculo, em sinergia com IGF-1.

  • A deficiência nutricional compromete o desenvolvimento ósseo, levando a deformidades.

11. Estudos de Caso

Estudo de Caso 1: Edema de Peito em Frangos de Corte

Um lote de frangos de corte com 35 dias apresenta mortalidade crescente, caracterizada por aves com abdômen distendido, apatia e crescimento acelerado. Ao necropsiar, observa-se acúmulo de líquido e lesões hepáticas. Diagnóstico: edema de peito associado a desequilíbrio entre crescimento muscular e sistema cardiovascular, agravado por dietas hipercalóricas. O manejo nutricional e a seleção genética devem ser revistos para reduzir o estresse metabólico.

Estudo de Caso 2: Casca Fina por Alcalose Metabólica em Poedeiras

Poedeiras com 50 semanas apresentam ovos com casca fina, menor peso e produção reduzida. Os exames laboratoriais revelam alcalose metabólica, atribuída à ventilação excessiva (hiperventilação ambiental) e desequilíbrio entre cálcio e fósforo. O tratamento inclui ajustes na dieta (mais fósforo biodisponível), ventilação controlada e suplementação de vitamina D3.

12. Estudo Dirigido

  1. Qual a função do proventrículo e da moela nas aves?

  2. Como a histologia intestinal favorece a absorção?

  3. Quais hormônios são envolvidos na digestão em aves?

  4. Por que aves têm menor sensibilidade à insulina?

  5. Quais as fontes energéticas mais utilizadas em rações?

  6. Como GH e IGF-1 atuam no crescimento de aves?

  7. O que diferencia a nutrição de frangos e poedeiras?

  8. Como ocorre o feedback entre grelina e leptina?

  9. Como a hiperventilação causa casca fina?

  10. Quais conseqüências do desequilíbrio nutricional em frangos?

    Acesse aqui o gabarito

13. Glossário

  • Proventrículo: estômago glandular das aves.

  • Moela: ventrículo muscular responsável pela trituração do alimento.

  • Grelina: hormônio peptídico que estimula o apetite.

  • Leptina: hormônio regulador da saciedade e metabolismo.

  • Glicogenólise: degradação do glicogênio hepático.

  • Gliconeogênese: formação de glicose a partir de compostos não carboidratos.

  • IGF-1: fator de crescimento semelhante à insulina.

  • Alcalose: distúrbio ácido-básico com aumento do pH sanguíneo.

  • Vilosidades: projeções intestinais que aumentam a absorção.

  • Cloaca: órgão terminal comum aos sistemas excretores e reprodutivos.

     

    Texto ilustrativo 1 

    Texto ilustrativo 2 

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