Fisiologia da gestão e do parto em mamíferos domésticos - teste
Fisiologia da gestão e do parto em mamíferos domésticos
O útero dos mamíferos domésticos apresenta variações anatômicas significativas que se relacionam diretamente com a natureza dos partos e os mecanismos hormonais envolvidos na gestação e no parto.
Além disso, o útero apresenta diferenças fisiológicas importantes na manutenção da gestação e na identificação do momento ideal do parto nas diferentes espécies.
Profissionais da medicina veterinária e da zootecnia devem ter um conhecimento sólido das difernças e detalhes anatômicos e fisiológicos apresentadas neste texto para sucesso nos programas de reprodução.
1. Interação Hormonal na Manutenção da Gestação e Alterações Hormonais no Parto por Espécie
A manutenção da gestação e o início do parto em mamíferos domésticos são processos complexos e específicos a cada espécie, envolvendo uma interação coordenada de hormônios e estruturas reprodutivas. A progesterona é o hormônio chave na manutenção de um ambiente uterino adequado para o desenvolvimento fetal. Sua produção é inicialmente sustentada pelo corpo lúteo; entretanto, em algumas espécies, como as éguas, a placenta assume essa função após o primeiro trimestre de gestação, garantindo níveis adequados de progesterona até o parto. A seguir, exploraremos esses mecanismos em diferentes animais:
Vacas - Durante a gestação, a progesterona, produzida pelo corpo lúteo e pela placenta, desempenha um papel crucial ao inibir as contrações uterinas, garantindo um ambiente adequado para o desenvolvimento fetal. Quando o feto atinge maturidade, há um aumento na liberação de cortisol fetal, que, por sua vez, estimula a produção de estrogênios e prostaglandinas. Esses hormônios colaboram para iniciar as contrações uterinas, culminando no processo de parto. O útero bicornual com cornos longos e bem desenvolvidos, são adaptados para suportar, na maioria das vezes, a gestação de um único feto. O corpo uterino é pequeno e a cérvix contém anéis cartilaginosos que atuam como uma barreira mecânica importante. Embora a gestação gemelar possa ocorrer, é mais comum em raças leiteiras devido a fatores genéticos. Partos múltiplos são raros e frequentemente associados a riscos aumentados de complicações, como distocia ou retenção de placenta. A manutenção da gestação é principalmente sustentada pela progesterona, que inibe contrações uterinas e promove o desenvolvimento do endométrio. Estrogênios participam no crescimento uterino e no desenvolvimento placentário, enquanto a relaxina promove o relaxamento das articulações pélvicas no final da gestação. O início do parto é desencadeado pelo cortisol fetal, que converte progesterona em estrogênios, reduzindo o efeito inibidor das contrações. As prostaglandinas (PGF2α) induzem a luteólise e promovem contrações uterinas, e a ocitocina, liberada pela hipófise materna, intensifica essas contrações.
Éguas - Nas éguas, a progesterona é essencial para a manutenção da gestação e é produzida tanto pelo corpo lúteo quanto por corpos acessórios. O início do parto é regulado predominantemente pelo aumento do cortisol fetal, que promove a síntese de estrogênios e prostaglandinas, hormônios responsáveis por desencadear as contrações uterinas necessárias para o nascimento. Nas éguas, o útero bicornual, com um corpo uterino relativamente maior e cornos curtos e simétricos, adequados para a gestação de um único feto. A cérvix é lisa, facilitando procedimentos reprodutivos artificiais. Gestações gemelares são raras e geralmente não viáveis, resultando frequentemente em perda fetal e apresentando alto risco de aborto e complicações maternas. Inicialmente, a progesterona é produzida pelo corpo lúteo e, posteriormente, pela placenta. A gonadotrofina coriônica equina (eCG), secretada pelo córion fetal, estimula a formação de corpos lúteos acessórios para produção adicional de progesterona. O cortisol fetal aumenta a produção de estrogênios e prostaglandinas, enquanto prostaglandinas e ocitocina induzem as contrações uterinas e o relaxamento da cérvix.
Cabras e Ovelhas - A fonte de progesterona varia entre essas duas espécies: enquanto as ovelhas dependem principalmente da placenta para a produção desse hormônio durante a gestação, as cabras contam com o corpo lúteo. À medida que o feto se desenvolve e se aproxima do termo, há um aumento na liberação de cortisol fetal, que induz a produção de prostaglandinas. Essas substâncias facilitam o relaxamento da cérvix e promovem as contrações uterinas necessárias para o parto. O útero bicornual com cornos longos, embora proporcionalmente menores que os das vacas. A cérvix possui uma estrutura convoluta, dificultando procedimentos como inseminação artificial. Em ovelhas, partos gemelares são comuns, especialmente em raças selecionadas para alta prolificidade, enquanto partos únicos e múltiplos também ocorrem, dependendo da genética e nutrição materna. Cabras frequentemente apresentam partos múltiplos, variando de 2 a 4 filhotes, especialmente em raças leiteiras como Saanen e Alpina. A progesterona é o hormônio-chave na manutenção da gestação, produzida principalmente pelo corpo lúteo em cabras e pela placenta em ovelhas após o primeiro trimestre. O cortisol fetal e as prostaglandinas iniciam a cascata hormonal que induz contrações uterinas e a dilatação cervical.
Porcas - Nas porcas, a manutenção da gestação é assegurada pela ação conjunta dos estrogênios embrionários e da progesterona produzida pelo corpo lúteo. O aumento dos níveis de cortisol fetal próximo ao termo estimula a produção de prostaglandinas, que desempenham um papel fundamental na indução das contrações uterinas e na progressão do trabalho de parto. As porcas possuem um útero com cornos uterinos extremamente longos e sinuosos, adaptados para a implantação de múltiplos embriões, enquanto o corpo uterino é pequeno e não funcional para a gestação. Elas têm partos múltiplos, com número variável de leitões, geralmente entre 6 a 14 ou mais. A fertilidade depende da ovulação e da sobrevivência dos embriões durante a gestação. O estrogênio, secretado pelos embriões, redireciona as prostaglandinas para fora do útero, mantendo o corpo lúteo. A relaxina é essencial para o relaxamento pélvico e expansão do canal de parto. O cortisol fetal ativa a produção de prostaglandinas, promovendo contrações uterinas e luteólise.
Cadelas e Gatas - Em cadelas e gatas, o corpo lúteo é a principal fonte de progesterona durante toda a gestação, garantindo a supressão das contrações uterinas prematuras. À medida que o parto se aproxima, há um aumento nos níveis de prolactina e relaxina, hormônios que, juntamente com as prostaglandinas, coordenam o início do trabalho de parto, assegurando a expulsão adequada dos fetos. Em cadelas e gatas, o útero bicornual apresenta cornos longos, adaptados para múltiplos fetos implantados sequencialmente. A cérvix é musculosa e funcionalmente eficiente. Ambas as espécies apresentam partos múltiplos, com o número de filhotes dependendo da raça, tamanho e condições maternas. A progesterona, produzida pelo corpo lúteo durante toda a gestação, é crucial para sua manutenção. A prolactina aumenta antes do parto, regulando a produção de leite, enquanto o cortisol fetal e as prostaglandinas iniciam o trabalho de parto.
Esses processos hormonais, embora apresentem particularidades em cada espécie, são fundamentais para o sucesso reprodutivo e a sobrevivência das crias nos mamíferos domésticos.
2. O Papel do eixo hipotálamo-hipófise para identificar e manter a gestação
O eixo hipotálamo-hipófise desempenha um papel central na regulação da reprodução em mamíferos domésticos, coordenando a produção e liberação de hormônios essenciais para a identificação e manutenção da gestação.
2.1 Identificação da gestação
A regulação hormonal da gestação é complexa e varia entre as espécies, mas o eixo hipotálamo-hipófise é fundamental na coordenação dos processos que asseguram a identificação e manutenção da gestação em mamíferos domésticos.Vacas e Pequenos Ruminantes: nestes animais, o embrião secreta interferon-tau, que inibe a síntese de prostaglandinas pelo endométrio, prevenindo a luteólise e garantindo a continuidade da gestação.Porcas: o estrogênio produzido pelo embrião redireciona as prostaglandinas para fora do útero, preservando o corpo lúteo e assegurando a produção contínua de progesterona necessária para a gestação. Cadelas e Gatas: nessas espécies, a manutenção do corpo lúteo ocorre independentemente de sinais embrionários diretos, sendo regulada por fatores luteotrópicos que sustentam a produção de progesterona durante a gestação.
3. Fisiologia da Concepção e Implantação do Feto
Após a fertilização, o zigoto passa por divisões mitóticas, formando a mórula e, posteriormente, o blastocisto. A implantação desse blastocisto no útero varia conforme a espécie:
Ruminantes: A implantação é não invasiva, com o trofoblasto aderindo ao epitélio uterino. O blastocisto permanece livre até aproximadamente o 12º ao 18º dia após a fertilização, quando ocorre a implantação efetiva.
Suínos: A implantação ocorre entre o 13º e 14º dia após a fertilização. Durante as primeiras duas a três semanas, os embriões migram ao longo da luz uterina até a implantação, estabelecendo contato definitivo com o endométrio.
Cadelas e Gatas: A implantação é semidecidual, com maior penetração no tecido endometrial. Essa característica permite uma fixação mais profunda do embrião no útero, garantindo a nutrição adequada para o desenvolvimento fetal.
4. Mecanismos associados a preseça do cortisol para inicir o parto em mamíferos
O início do trabalho de parto em mamíferos domésticos é um processo complexo, coordenado por uma série de mudanças hormonais que asseguram a transição da gestação para o nascimento. Os principais hormônios envolvidos nesse processo são:
Cortisol Fetal: À medida que o feto se desenvolve e atinge a maturidade, há um aumento significativo na produção de cortisol pelas glândulas adrenais fetais. Esse aumento é crucial para iniciar uma cascata de eventos hormonais que culminam no parto.
Conversão de Progesterona em Estrogênios: O cortisol fetal estimula a conversão de progesterona em estrogênios na placenta. A progesterona é responsável por manter o tônus uterino baixo durante a gestação, prevenindo contrações. A diminuição dos níveis de progesterona, aliada ao aumento de estrogênios, prepara o útero para o trabalho de parto, aumentando a contratilidade uterina e a expressão de receptores de ocitocina.
Prostaglandinas: Os estrogênios aumentam a síntese de prostaglandinas no útero. As prostaglandinas desempenham um papel vital na indução das contrações uterinas e na maturação cervical, facilitando a dilatação necessária para a passagem do feto. Além disso, promovem a regressão do corpo lúteo, reduzindo ainda mais os níveis de progesterona e reforçando o ambiente propício para o parto.
Ocitocina: Produzida pelo hipotálamo e liberada pela hipófise posterior, a ocitocina intensifica as contrações uterinas. Sua liberação é estimulada pelas prostaglandinas e pelas contrações uterinas iniciais, estabelecendo um ciclo de feedback positivo que aumenta a intensidade e a frequência das contrações até a expulsão do feto.
Esses eventos hormonais são interdependentes e cuidadosamente sincronizados para garantir um parto bem-sucedido. Alterações ou desequilíbrios nesses mecanismos podem levar a complicações no trabalho de parto, afetando a saúde materna e fetal.
5. CASOS CLÍNICOS
Caso 1: Parto Distócico em Vaca
Durante o processo de gestão e parto, diversas alterações fisiológicas ocorrem no organismo da fêmea, sendo a homeostase do cálcio um fator determinante para a eficiência das contrações uterinas. No presente caso, uma vaca apresentou dificuldades no trabalho de parto devido à hipocalcemia, condição caracterizada pela queda nos níveis sanguíneos de cálcio ionizado. Essa deficiência prejudicou a contração muscular uterina, reduzindo a efetividade das forças expulsivas.
Adicionalmente, o feto encontrava-se em posição dorso-púbica, o que intensificou o grau de dificuldade do parto, configurando um caso de distócia. A abordagem clínica envolveu o reposicionamento fetal por meio de manobras obstétricas, respeitando as técnicas de manipulação intrauterina para evitar lesões materno-fetais. Simultaneamente, foi administrado cálcio intravenoso para corrigir a hipocalcemia e restaurar a capacidade contrátil do miométrio.
Para potencializar as contrações uterinas e otimizar a progressão do parto, utilizou-se ocitocina, respeitando a dosagem recomendada para evitar hiperestimulação uterina, que poderia resultar em ruptura do órgão ou sofrimento fetal. A associação desses manejos permitiu a resolução do caso com a extração segura do feto e a estabilização clínica da vaca.
Caso 2: Eclâmpsia em Cadela
A eclâmpsia puerperal é uma condição metabólica grave que ocorre em cadelas lactantes devido à demanda excessiva de cálcio para a produção de leite, associada à reposição inadequada desse mineral. Essa deficiência resulta em hipocalcemia severa, comprometendo a função neuromuscular e levando a sinais clínicos como tremores musculares, hipertermia, ataxia, rigidez, convulsões e, em casos mais graves, colapso cardiorrespiratório.
O manejo terapêutico requer intervenção emergencial para corrigir os níveis de cálcio e estabilizar a cadela. Inicialmente, foi administrado gluconato de cálcio intravenoso de forma lenta e monitorada, uma vez que sua infusão rápida pode desencadear efeitos adversos, como arritmias cardíacas. Durante o procedimento, o animal foi mantido sob monitorização eletrocardiográfica para prevenir complicações cardiovasculares.
Após a estabilização inicial, foi instituída suplementação oral de cálcio para prevenção de recorrência do quadro. Adicionalmente, foram realizados ajustes na dieta da cadela, garantindo um equilíbrio adequado entre cálcio, fósforo e vitamina D. Em alguns casos, é necessário o desmame precoce dos filhotes para reduzir a demanda de cálcio materno.
O prognóstico da eclâmpsia é favorável quando a condição é prontamente identificada e tratada. O manejo nutricional preventivo em cadelas prenhes e lactantes é essencial para evitar a deficiência de cálcio e garantir a saúde materna e neonatal.
GLOSSÁRIO
Progesterona: Hormônio esteroidal essencial para a manutenção da gestação; inibe contrações uterinas.
Interferon-Tau (INF-τ): Proteína secretada pelo embrião dos ruminantes para prevenir a luteólise.
Prostaglandinas (PGF2α): Reguladores lipídicos que induzem a regressão do corpo lúteo.
Cortisol: Hormônio glicocorticoide do feto que sinaliza o início do trabalho de parto.
Relaxina: Hormônio que promove a dilatação cervical e o relaxamento das articulações pélvicas.
Placenta Cotiledonária: Tipo de placenta em ruminantes, formada por cotilédones e carúnculas uterinas.
Eclâmpsia: Hipocalcemia aguda em fêmeas lactantes, levando a tremores musculares e fraqueza.
Distocia: Parto difícil, causado por obstruções físicas ou insuficiência de contrações uterinas.
ESTUDO DIRIGIDO
Quais são as principais variações anatômicas do útero em diferentes espécies domésticas?
Como ocorre o reconhecimento da gestação em vacas e porcas?
Quais são os hormônios envolvidos na manutenção da gestação?
Descreva os processos fisiológicos da concepção e da implantação do feto.
Qual o papel do cortisol fetal no início do trabalho de parto?
Explique a relação entre ocitocina e contrações uterinas durante o parto.
Como o eixo hipotálamo-hipófise participa na regulação do parto?
Quais são os sinais clínicos e manejo adequado para a eclâmpsia em cadelas?
O que diferencia a distocia por causas metabólicas das mecânicas?
Como a abordagem em Saúde Única pode ser aplicada no manejo de casos obstétricos?
Acesse aqui o Gabarito