Fisiologia da Reprodução das Fêmeas Domésticas

 

Fisiologia da Reprodução das Fêmeas Domésticas



A fisiologia da reprodução das fêmeas domésticas é um tema central na medicina veterinária e zootecnia, essencial para compreender os mecanismos que regem os processos reprodutivos, desde a regulação hormonal até as particularidades dos ciclos estrais nas diferentes espécies. Este texto abordará de maneira detalhada a fisiologia das gônadas, os efeitos dos hormônios sexuais, a folicogênese e gametogênese, os ciclos estrais em vacas, éguas, porcas, cabras, ovelhas, cadelas e gatas, a influência da luz natural nesses ciclos, a relação do eixo hipotálamo-hipófise com o sistema reprodutivo, e os mecanismos de feedback entre ovário, hipotálamo e hipófise.

1. Fisiologia das Gônadas

As gônadas femininas, representadas pelos ovários, possuem funções duplas: a produção de gametas (oócitos) e a secreção de hormônios sexuais (estrogênios, progesterona e, em menor escala, androgênios). Nos ovários, os folículos em diferentes estágios de desenvolvimento são as estruturas responsáveis pela gametogênese e pela síntese hormonal.

Os ovários possuem duas regiões principais:

  • Córtex: Contém os folículos em desenvolvimento e corpos lúteos.
  • Medula: Rica em vasos sanguíneos e nervos, fornece suporte metabólico.

A foliculogênese, o desenvolvimento dos folículos ováricos, ocorre em etapas que culminam na ovulação, momento em que o oócito é liberado para ser fertilizado.

2. Efeitos dos Hormônios Sexuais no Sistema Reprodutivo

Os hormônios sexuais desempenham papéis essenciais na regulação do sistema reprodutivo:

  1. Estrogênios:

    • Estimulam o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários.
    • Promovem o crescimento do endometrio e a expressão de receptores de progesterona.
    • Induzem comportamento de estro nas fêmeas.
  2. Progesterona:

    • Mantém a gestão.
    • Inibe as contrações uterinas e o desenvolvimento de novos folículos durante a fase lútea.
  3. Androgênios:

    • Precursores na síntese de estrogênios.
  4. Prostaglandinas (PGF2α):

    • Promovem a luteólise, encerrando a fase lútea e permitindo o reinício do ciclo estral.

3. Folicogênese e Gametogênese

A foliculogênese abrange o desenvolvimento dos folículos ovárianos, que se iniciam como folículos primordiais e progridem para folículos primários, secundários e antrais até alcançarem a fase de folículos graafianos, prontos para a ovulação.

  • Fases da foliculogênese:
    1. Recrutamento: Pequenos folículos iniciam o crescimento.
    2. Seleção: Apenas alguns folículos continuam o desenvolvimento.
    3. Dominância: Um único folículo dominante é selecionado para ovulação.

A gametogênese é o processo de formação dos gametas femininos. Durante a vida fetal, os ovócitos primários entram na prófase da meiose, onde permanecem até a puberdade. A ovulação desencadeia a progressão meótica, concluída após a fertilização.

4. Ciclos Estrais

Os ciclos estrais variam entre as espécies em duração e padrões hormonais:

  1. Vacas:

    • Ciclo de 21 dias.
    • Fases: estro (1 dia), metestro (3 dias), diestro (15 dias) e proestro (2 dias).
  2. Éguas:

    • Ciclo de 21-23 dias.
    • Longo período de estro (5-7 dias).
  3. Porcas:

    • Ciclo de 21 dias.
    • Período de estro curto (2-3 dias).
  4. Cabras e Ovelhas:

    • Sazonais poliestras (outono).
    • Ciclo de 16-17 dias (ovelhas) e 21 dias (cabras).
  5. Cadelas:

    • Monoestras.
    • Ciclo inclui proestro (9 dias), estro (9 dias), diestro (60-70 dias) e anestro (período prolongado).
  6. Gatas:

    • Poliestras sazonais induzidas pela luz.
    • Ovulação induzida pelo coito.

5. Influência da Luz Natural nos Ciclos Estrais

A reprodução nos mamíferos domésticos é um processo complexo regulado por fatores hormonais, ambientais e neurológicos. Entre esses fatores, a luz natural exerce um papel crucial na sazonalidade reprodutiva de várias espécies, determinando a época do ano em que a fêmea entra em cio e pode conceber. Esse controle ocorre por meio da glândula pineal, que regula a secreção de melatonina, hormônio sensível à variação da luminosidade ambiental.

A relação entre luz e reprodução é um exemplo clássico de como os ritmos biológicos dos animais estão sincronizados com o ambiente. Espécies que dependem de condições climáticas favoráveis para garantir a sobrevivência da prole evoluíram mecanismos que ajustam sua fertilidade de acordo com a duração do dia. Esse fenômeno é particularmente evidente em espécies poliéstricas sazonais, como ovelhas, cabras e éguas, cujos ciclos reprodutivos são induzidos ou suprimidos conforme a estação do ano.

5.1 Mecanismo Fisiológico: Luz, Melatonina e Regulação Hormonal

A glândula pineal, localizada no encéfalo, é a principal mediadora da resposta reprodutiva à luz. Esse órgão responde à quantidade de luz percebida pela retina, enviando sinais ao núcleo supraquiasmático do hipotálamo, responsável pelo controle dos ritmos circadianos. A partir dessa comunicação, a produção de melatonina ocorre durante a escuridão, sendo inibida na presença de luz.

A melatonina regula a liberação de hormônios gonadotrópicos pela hipófise anterior, como o hormônio folículo-estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH). Esses hormônios, por sua vez, controlam a maturação dos folículos ovarianos e a ovulação. Assim, a variação na secreção de melatonina ao longo do ano modula o ciclo estral das fêmeas poliéstricas sazonais.

O efeito da luz sobre a reprodução varia conforme a espécie:

5.2 Espécies Poliétricas Sazonais

5.2.1. Pequenos Ruminantes: Ovelhas e Cabras (Ciclos Iniciados por Noites Longas)

Ovelhas (Ovis aries) e cabras (Capra hircus) são classificadas como poliéstricas sazonais de dias curtos, ou seja, entram em ciclo reprodutivo quando a duração da noite aumenta. Esse mecanismo garante que os partos ocorram na primavera, quando há abundância de alimento para os recém-nascidos.

  • Durante o verão e início do outono, os dias são longos, inibindo a secreção de melatonina e, consequentemente, a liberação de FSH e LH.
  • No outono e inverno, quando as noites se tornam mais longas, a produção de melatonina aumenta, estimulando a hipófise a liberar os hormônios gonadotrópicos, induzindo a ciclicidade estral.
  • Em raças adaptadas a regiões tropicais, onde a variação da luz é menor, esse efeito pode ser menos pronunciado.

A manipulação da luz artificial é uma técnica frequentemente usada para induzir ou suprimir a reprodução em criações comerciais, possibilitando ajustes no manejo reprodutivo conforme a demanda de mercado.

5.2.2. Éguas (Ciclos Iniciados por Dias Longos)

As éguas (Equus ferus caballus) apresentam o padrão oposto ao de pequenos ruminantes, sendo poliéstricas sazonais de dias longos. Seu ciclo reprodutivo é ativado quando os dias se tornam mais longos, garantindo que a gestação ocorra ao longo do inverno e a parição na primavera/verão, quando as condições ambientais favorecem o desenvolvimento do potro.

  • Durante o inverno, as noites são mais longas, aumentando a secreção de melatonina e inibindo a função do eixo reprodutivo.
  • Com o aumento da duração do dia na primavera, a inibição hormonal diminui, levando à liberação de FSH e LH, que promovem o crescimento folicular e a ovulação.

Para antecipar a reprodução em equinos de alto valor zootécnico, como em programas de melhoramento genético, utilizam-se métodos de fotoperíodo artificial para simular o alongamento dos dias e induzir a atividade ovariana mais cedo no ano.

5.2.3. Gatas: Aumento da Frequência do Estro em Períodos de Maior Luz

As gatas (Felis catus) são classificadas como poliéstricas estacionais influenciadas pela luz e também apresentam um padrão dependente da duração do dia. Entretanto, diferentemente de ovelhas e éguas, as gatas podem exibir ciclicidade contínua em condições favoráveis de luminosidade.

  • Em ambientes com luz artificial constante, as gatas podem entrar em cio durante todo o ano, pois a melatonina não é capaz de inibir a atividade ovariana de forma significativa.
  • Em condições naturais, a maior frequência de estros ocorre na primavera e verão, quando há aumento da luminosidade diária.
  • Como são ovuladoras induzidas, a ovulação ocorre apenas após o estímulo copulatório, garantindo uma estratégia eficiente de reprodução que maximiza a fertilidade.

Em criações comerciais e programas de reprodução felina, o controle do ambiente luminoso pode ser usado para otimizar a frequência dos ciclos estrais, especialmente para gatas de raças selecionadas.

A influência da luz natural sobre os ciclos estrais demonstra a estreita relação entre fatores ambientais e a fisiologia reprodutiva dos mamíferos domésticos. A regulação por meio da melatonina permite que as fêmeas sincronizem sua fertilidade com as condições ambientais mais favoráveis para a sobrevivência da prole.

O conhecimento dessa interação é essencial para médicos veterinários que atuam na reprodução animal, pois possibilita o uso de técnicas de manejo reprodutivo, como fotoperíodo artificial e manipulação hormonal, otimizando a produção animal e garantindo maior eficiência nos sistemas de criação.

6. Eixo Hipotálamo-Hipófise e Produção Hormonal

O eixo hipotálamo-hipófise-ovário regula a função reprodutiva:

  1. Hipotálamo:

    • Libera GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas).
  2. Hipófise Anterior:

    • Secreta FSH (hormônio folículo-estimulante) e LH (hormônio luteinizante).
  3. Ovário:

    • FSH promove o crescimento folicular.
    • LH induz a ovulação e a formação do corpo lúteo.

7. Feedback Ovário/Hipotálamo/Hipófise

Os mecanismos de feedback são essenciais para a regulação do ciclo estral. O ovário exerce tanto feedback positivo quanto negativo sobre o hipotálamo e a hipófise, modulando a secreção de GnRH, FSH e LH:

  • Feedback Negativo:

    • Os estrogênios e a progesterona inibem a liberação de GnRH e FSH/LH durante o diestro.
  • Feedback Positivo:

    • Altos níveis de estrogênios no final do proestro induzem o pico de LH, culminando na ovulação.

8. Glossário Técnico

  • GnRH: Hormônio liberador de gonadotrofinas, regula a secreção de FSH e LH.
  • FSH: Hormônio folículo-estimulante, estimula o crescimento folicular.
  • LH: Hormônio luteinizante, induz a ovulação.
  • Estro: Período de receptividade sexual.
  • Progesterona: Hormônio que sustenta a gestão.
  • Estrogênios: Hormônios que promovem o crescimento endometrial e comportamento de estro.
  • Prostaglandina F2α: Induz a luteólise.
  • Melatonina: Hormônio que regula a sazonabilidade reprodutiva.
  • Ciclo Estral: Conjunto de mudanças reprodutivas cíclicas.
  • Ovulação: Liberação do oócito pelo folículo dominante.

9. Estudo Dirigido

  1. Quais são as funções principais dos ovários?

  2. Quais são as fases da foliculogênese?

  3. Qual a diferença entre feedback positivo e negativo?

  4. Como a luz influencia a reprodução em ovelhas e éguas?

  5. Quais hormônios controlam o ciclo estral?

  6. O que ocorre durante o estro?

  7. Qual o papel do eixo hipotálamo-hipófise?

  8. Como a melatonina afeta o ciclo estral?

  9. O que desencadeia a ovulação?

  10. Quais são os efeitos da progesterona?

    Acesso aqui o Gabarito

10. Estudos de Caso

Sincronização de Cio em Bovino:

Uma fazenda deseja sincronizar o cio de um lote de vacas para inseminação artificial. A administração de prostaglandinas foi realizada no dia 0, seguida pela aplicação de GnRH no dia 7.

Explique o racional fisiológico dessa abordagem.

Resposta: A prostaglandina induz a luteólise, permitindo a regressão do corpo lúteo e o início de um novo ciclo. O GnRH estimula o crescimento folicular e a ovulação sincronizada.

Sincronização de Cio em Cabras com Luz Artificial:

Em uma criação de cabras, foi utilizado manejo de luz para simular noites longas durante o verão, com objetivo de iniciar os ciclos estrais.

Discuta o papel da melatonina nesse contexto.

Resposta: A exposição prolongada à escuridão aumenta a produção de melatonina, que estimula o eixo reprodutivo em espécies sazonalmente poliéstricas, como as cabras.

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